sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Repatriada
















Arte: Mariana Massarani


Se me perguntassem quantas vezes eu fiz aquele trajeto, não saberia responder sem utilizar palavras como “tantas”, “incontáveis”, “inúmeras”...

No entanto, naquela manhã aparentemente igual a outras, enquanto dirigia por ruas que de tão conhecidas já nem se faziam notar, era extraordinário ser surpreendida pela sensação do familiar: o movimento na casa de bolos, o burburinho dos traseuntes, a fachada da escola primária, o busto com dedo em riste, a dança das árvores ao som do vento, aquele cruzamento... Ah, aquele cruzamento, outrora detestável, dava-me então a impressão de nele poder permanecer por horas, talvez dias, sem que isso me causasse incômodo algum.

Sentia-me afortunada por não possuir nada de absolutamente novo, mas pela dádiva de experimentar o antigo, o pisado, a memória in loco, mais uma vez.

Era bom estar de volta, repatriada corpo e alma.

Lembrei, de quando em terras estrangeiras, senti inveja – não encontro outro nome – das pessoas em sua terra natal, com seus costumes, crenças, modus vivendi. Elas possuíam um código secreto, cuja senha de acesso era-me declaradamente negada.

De volta, ficou ainda mais claro: eu fora estrangeira, mas já não era mais. E em cada cena, paisagem, rosto ou palavra familiar não era eu quem ressuscitava o Brasil, mas o Brasil, o Brasil, sim, me ressuscitava.

(VaneideDelmiro)



"Pequenina como se eu fosse o saudoso poeta
E fosses a Paraíba
Terra! Terra!
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria"
(Caetano Veloso, Terra)

12 comentários:

Ludmila Clio disse...

Isso é real ou você se imaginou estrangeira?
Bem, deve ser horrível a sensação da senha de acesso sempre negada. Pena é que a gente só repara o nosso mundo quando volta pra ele, parece ser isso inerente ao ser humano... deve ser por isso que só damos valor à água (e às pessoas) quando elas acabam...
Beijo!

Anônimo disse...

BRAVO! Que pena só darmos o devido valor dessas coisas, quando elas estão longe de nós... Precisamos olhar ao nosso redor com outros olhos, os olhos do esperíto, com o mais profundo de nosso ser, assim estaremos mais próximo da plenitude do viver.
Que bom que você está de VOLTA e repatriada! Você fez MUITAAAAAAAA falta.

Abraços,
Marcelo Cavalcanti

Carla disse...

Lindo, Vaneide! Mudar o olhar, estrangeirar-se, estranhar o costumeiro com uma nova admiração.

Anônimo disse...

Vaneide, seu site é um oásis no deserto de blogs de "poesia" de terceira que encontramos por aí. É raro encontrar poetas de verdade, e você é.
Vou estar sempre por aqui, se não se importa.
Abço,
Cliz

Unknown disse...

Que lindo. Essa coisa de se sentir estrangeira, depois sentir-se em casa é fonte pra vários sentimentos, vc comemorou. Adorei.

Camilla Tebet disse...

O comentário ai em cima, do Luna2, é de Camilla Tebet
e

VaneideDelmiro disse...

Grata (a todos) pelos comentários.
Voltar aqui (ao blog) também me fez e faz sentir repatriada.

Mari Monici disse...

Oi minha amiga...não posso acreditar que a França possa ser "angustiante"..rs ai que vontade! Por onde anda você? Mande notícias...saudade das conversas!
Um beijo grande e bem vinda!

Anônimo disse...

Fazia um tempo que nao vinha aqui no seu blog, mas hj senti necessidade e fiquei maravilhada com "Repatriada". Voce Vaneide (F) e D+ nas palavras, nas atitudes e em tudo, fiquei ultra feliz que vc tenha sido repatriada, principalmente por mim e mainha. beijos te amo! nusa

Sonia Regly disse...

Vi seu Blog lá na POETRIX e resolvi vir te conhecer.Adorei, tudo o que vi aqui.Parabéns!!! Estou te convidando para conhecer o Compartilhando as Letras.Pra mim será uma alegria:
www.compartilhandoasletras.com

Leo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Leo disse...

Gosto muito do seu cantinho aqui...