quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Prazo de Validade Vencido


Adiar, adiar, adiar: eis o famigerado verbo do presente...

(VaneideDelmiro)




Guardei na geladeira a edição especial de Danette Ovomaltine para saboreá-la em uma dessas noites quentes de dezembro. Parecia perfeito. E seria, não fosse meu esquecimento. Quando lembrei, o susto: o rótulo anunciava o prazo de validade vencido.

Enquanto me livrava do conteúdo e da embalagem - e tentava não me frustrar mais com um novo sabor adiado / desperdiçado - não pude deixar de pensar nos movimentos que, amiúde, fazemos ao longo da vida. Reservamos a melhor roupa, o melhor perfume, a melhor louça, o melhor afeto, a melhor palavra, aguardando ocasiões especiais.

Às vezes elas demoram a chegar. Noutras, sequer nos damos conta de que elas estão acontecendo a todo instante, bem ao nosso lado, a um palmo do nosso nariz.

A bem da verdade estamos todos imersos em uma grande ocasião especial chamada VIDA, cuja edição é única e, no entanto, continuamos esperando, esperando, esperando sentir um sabor que diária e preciosamente nos é oferecido.

Agora que a proximidade do ano novo acena com seus apelos de renovação, um desejo consumista me invade: sorver a vida em 2011, em cada grão, gota, partícula. Sem desperdício.

Esse é também o meu desejo para os leitores - e os não leitores - deste Blog.


(VaneideDelmiro)



A vida é um dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê perdemos o amor de nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado...
Se fosse me dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas...

(Mário Quintana)






sábado, 6 de novembro de 2010

Coisa natural...

Quando a febre chega, agrada-me como coisa natural...
Fernando Pessoa
Ser um ser permissível a si mesmo é a glória de existir
Clarice Lispector, em Um Sopro de Vida

Quando a temperatura aumentou, percebi que tinha febre de desejos... Como não queria curar-me, então tratei de sentir. Na minha prostração erguia-se o mais imperioso dos desejos: viver. Um único medo, porém, me aquietava a alma: ao ceder a febre, o que restaria?

VaneideDelmiro

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Revelação


Era um lugar alto e frio. Ventava terrivelmente. Pressenti o perigo. Vi um enxame de pensamentos avançando em minha direção, todos enlouquecidos.
No meio do nada, um ataque frontal, impiedoso. Seria mortal? Sucediam-se palavras e sentimentos desgovernadamente, a confundir-me. De início, tentei domesticá-los, mas o esforço logo resultou inútil.
Esquivei-me o quanto pude. Fugi não o fiz. Talvez por fraqueza, e não por coragem.
Lembro das muitas tentativas de proteger o corpo, com a intenção de preservar a alma. Senti um açoite imaterial com a força e a ira de mil chicotes.
Não havia grito, porque naquela agonia silenciosa misteriosamente eu sabia não estar só. Algo infinitamente maior me sustentava. Seu nome É Deus.

(VaneideDelmiro)



Quando passares pelas águas estarei contigo, e quando passares pelos rios, eles não te submergirão; quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem a chama arderá em ti (Isaías 43:2)

sábado, 4 de setembro de 2010

Pingo




Chamava-se Pingo
E nos deu um oceano de alegria.

(VaneideDelmiro)



Negro, com os olhos em brasa
Bom, fiel e brincalhão
Era a alegria da casa
O corajoso Plutão
Fortíssimo, ágil no salto
Era o terrror dos caminhos
E duas vezes mais alto
Do que o seu dono, Carlinhos
Jamais a casa chegara
Nem a sombra de um ladrão
Pois fazia medo a cara
Do destemido Plutão
Dormia durante o dia
Mas quando a noite chegada
Junto à porta se estendia
Montando guarda ficava
Porém Carlinhos
Brincando com ele
Às tontas no chão
Nunca saia chorando
Mordido pelo Plutão
Plutão velava-lhe o sono
Seguia-o quando acordado
O seu pequenino dono
Era todo o seu cuidado
(...)
Foram um dia à procura dele
E esticado no chão,
Junto a uma sepultura
Acharam morto o Plutão
(Olavo Bilac, Plutão)

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Fino Traço

Para Cassandra (em seu aniversário)


Porque a vida é o fino traço da mais pura delicadeza. E toda delicadeza merece ser celebrada, sempre.

(VaneideDelmiro)

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Rio São Francisco


Transposição

Sem nenhuma engenharia
naquela travessia
o rio desaguou
dentro, de mim.

Será que por isso chorei?

A obra se chamava poesia
e o mistério
de uma margem a outra
continua sendo Deus.

(VaneideDelmiro)



"Meio a meio o riu, ri
Por entre as árvores da vida
O rio riu, ri
Por sob a risca da canoa
O rio riu, ri
O que ninguém jamais olvida
ouvi, ouvi, ouvi
A voz das águas"
(Caetano Veloso, A Terceira Margem do Rio)

Libertemos devagar a terra onde crescem milagres como a água, a pedra e a raiz. Cada um de nós é por enquanto a vida. Isso nos baste.
(José Saramago)

sexta-feira, 25 de junho de 2010

O Mundo é de Sofia


Sua mãe e eu
(...)
Minha mãe e eu
Meus irmãos e eu
E os pais da sua mãe
E a irmã da sua mãe
Lhe damos as boas-vindas
Boas-vindas, boas-vindas
Venha conhecer a vida
Eu digo que ela é gostosa
Tem o sol e tem a lua
Tem o medo e tem a rosa
Eu digo que ela é gostosa
Tem a noite e tem o dia
A poesia e tem a prosa
Eu digo que ela é gostosa
Tem a morte e tem o amor
E tem o mote e tem a glosa
eu digo que ela é gostosa
Eu digo que ela é gostosa
Sua mãe e eu
Seus [primos] e eu
E o irmão da sua mãe
(Boas Vindas, Caetano Veloso)


Antes que Sofia inaugurasse em nossos ouvidos o seu choro estridente ou fitasse-nos com seus pequeninos olhos de estranheza e novidade; antes que despertasse o nosso olfato com o seu cheirinho delicado ou enlaçasse, para sempre, as nossas vidas com o seu despretensioso reflexo de preensão, todos os nossos sentidos já se voltavam para ela.

Nascida em nosso desejo, quando sua mãe exclamou intuitivamente estar grávida, cuidamos do seu banho, da temperatura do quarto, da suavidade das cores, de torná-la mais uma “menina dos olhos de Deus”.

Sim, agora podemos celebrar por inteiro essa alegria: O MUNDO É DE SOFIA!

O mundo é seu, Sofia. E nessa viagem, que dura uma vida inteira, nós – avós, pais, tias, tios, primos – o redescobriremos contigo a cada novo olhar, porque você também trará de volta a capacidade de nos surpreendermos diante de tudo que nos for familiar.

Amor,

Tia Neide, a tia de Thiago, João e Carol

terça-feira, 22 de junho de 2010

A Morte do Amante

À J.Saramago (in memorian)

Quando morre um escritor as palavras vestem-se de luto e, abatidas, sepultam a si mesmas. É um cenário sombrio.

Ao perceberem o lápis intocado deixado sobre a folha amargamente limpa, as palavras leem “despedida” e se recolhem em sinal do mais profundo respeito, e dor.

De agora em diante apenas um fantasma as assustará: conviver com a eterna dúvida de não saber o que poderiam ser: ideia, imagem, entrelinha ou, quem sabe, um secreto caso de amor...

Mil minutos de silêncio, por favor!


(VaneideDelmiro)

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Lo-Debar

Meados do ano. A essa altura, as palavras já deveriam ter acordado, lavado o rosto, tomado café, aberto suas asas e alçado vôo. Mas, contrariando toda previsão, não vejo sinal delas em parte alguma.

Será preguiça, cansaço ou temor o que as fazem permanecer tanto tempo recolhidas em plena manhã de sol e tendo, diante de si, um azul de céu provocantíssimo?

Estarão doentes, as palavras? Não, uma simples indisposição não as afetaria a tal ponto. Acaso padecerão de anomia, disartria, mutismo?

Ou teriam sido acometidas por algum infame acidente? De repente um bater de asas desajeitado, um vôo rasante, uma aterrissagem forçada... A queda. Depois, o silêncio.

Vítimas de seqüestro? Submetidas ao horror dos campos de extermínio? Perdidas em algum ponto do caminho, sem saber como voltar? Ou, tão somente, atendendo a necessidade de recolhimento?

Em que morada aportam as palavras quando silenciam? Como resgatá-las desse Lo-Debar? Que chamamento faremos para despertá-las desse inquietante silêncio? Afinal, que destino daremos a tudo que não conseguimos alcançar e responder na ausência delas?

(VaneideDelmiro)

A cidade era um deserto
O jovem era homem velho
E quem passava ao seu lado
Jamais conseguiria entender
(Nenhum de Nós, Deserto)

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Ensaio

As folhas no envelope
Abrançam-se forte
- Não há quem as solte
Ensaiando te encontrar.

(VaneideDelmiro)

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Naquela aldeia mora alguém


Nas veias da pacata cidade corria a ladainha da Igreja Matriz. Fiéis aguardavam a benção final para encontrar, ao sair do sagrado, um suspeitoso churrasquinho.

Nenhuma banda de música se ouvia no coreto. No entanto, toda a gente podia (se quisesse) contemplar a dança silenciosa das mariposas.

Só eu fotografava o momento e, como os pequenos lepidópteros em volta da luz, lançava às estrelas os sonhos perdidos.

(VaneideDelmiro)

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Vivo

Arte: Mariana Massarani


Na borda da piscina, revi meus medos. E eram todos brancos porque, de tão escondidos, luz do sol dava-lhes medo.
Vi que sozinhos eles não iam... Então, tomei coragem e os mergulhei junto comigo.
Enquanto eles se afogavam, eu vinha à tona de um longo naufrágio.

Sentir-se VIVO é indescritível.

(VaneideDelmiro)

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Jesus tem cheiro de pipoca (Da Transfiguração)


Após a missa, o carrinho de pipoca em frente à Igreja é envolto por uma roda de crianças que, sem compreender ao certo, observam maravilhadas e estupefatas uma estranha magia: de milho à pipoca.
Elas, assim como eu, esperam ansiosas e sedentas, porque Jesus é o milagre da transfiguração.

(VaneideDelmiro)



Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João e os levou a sós para um monte alto e afastado. E transfigurou-se diante deles. Suas vestes ficaram brilhantes e tão brancas como nenhuma lavadeira do mundo as pode branquear. Apareceram-lhes Elias e Moisés conversando com Jesus. Pedro tomou a palavra e disse a Jesus: "Mestre, é bom estarmos aqui! Vamos levantar três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias". É que não sabia o que dizer, pois eles estavam com muito medo. Formou-se então uma nuvem que os envolveu. E da nuvem uma voz se fez ouvir: "Este é o meu Filho amado, escutai-o". De repente, eles olharam ao redor e não viram mais ninguém, a não ser Jesus com eles. Ao descerem do monte, Jesus proibiu-lhes de contar a quem quer que fosse o que tinham visto, antes do Filho do homem ter ressuscitado dos mortos. Eles guardaram a recomendação, mas discutiam entre si o que significaria "ressuscitar dos mortos". (Mc 9:2-10)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Desperdício


No sonho, me dizia:
- Às vezes, a vida vaza...
E eu acordei com uma terrível sensação de desperdício.

(VaneideDelmiro)

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Haikai ou não cai?


Dissolvido o pacto
só o silencio
restou intacto.

(VaneideDelmiro)

domingo, 7 de fevereiro de 2010

MOFO

Por estes dias, enquanto preparava o café da manhã, deparei-me com o bolor cobrindo toda a superfície do pão. Jogá-lo fora foi à providência imediata.
Fiquei me perguntando há quanto tempo o pão estaria ali, abandonado naquele saco. Certamente há bem menos tempo da luz queimada, do perro da janela, dos sonhos esquecidos, do blog silenciado... Medida imediata não houve. Haverá?


(VaneideDelmiro)



Há muito tempo
Não tenho o que dizer...
Logo você
Que dizia saber
Não sabe
Aonde quer chegar
Aonde quer chegar?
(Moptop - Aonde quer chegar?)