domingo, 27 de janeiro de 2008

Padrinho... Três meses...


"Nenhum dia é seguro sem notícias suas"
Sylvia Plath



Alheias à morte, as flores brotam. Pequeninos ramos nascem ali mesmo, fazendo do túmulo a sua nova morada. Exibem folhas de um verde-esperança e sorriem à passagem do vento. A minha oração, que nada mais era que um comunicado da saudade, ficou suspensa ante a vida que insiste em vingar.
Acho que me sabias ali. Por instantes ficamos mudos na mais plena comunhão. Nem o canto dos pássaros, os observadores passos dos traseuntes, a chama da vela, a passagem ao longe dos carros, o sussurro dos mortos. Nada, apenas a mais plena comunhão.
E eu que fui te ofertar flores num gesto simbólico de carinho, acabei por recebê-las. Sua generosidade, já desconfiava, não é desse mundo.
Saudade Padrinho, toda saudade.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Para Mariana

Mariana, depois que nos falamos hoje, senti que as palavras queriam voar. Já era tarde, mas ponteiros não combinam com liberdade. A nossa conversa foi um céu imenso de possibilidades e o vento, favorável aos mais belos vôos. Mesmo assim, com tudo a favor, as asas arredias planaram sem sinal de pouso. Qualquer hora elas voltam. Enquanto isso não acontece, resgatei de minhas arrumações um texto, escrito há alguns anos, mas cujo pouso aqui ganha sentido pelo que conversamos.



Um jardim por mais silencioso sempre pede, a sua maneira, para ser visitado. Eu, na minha ignorância, devia tê-lo compreendido. Mas sua beleza me fez recuar e confundir, no mais profundo, o medo à prudência, a timidez à delicadeza.

Desaprendera, então, toda a ousadia, todo ímpeto de desejo. Esperando sua permissão, que de tanta ambigüidade ma fazia ir e recuar num movimento estático, eu, contente de tudo ser só isso, sofria.

Ainda hoje interrogo se não devia ter entrado, assim como quem no intento da surpresa - da boa surpresa - aparece para uma visita inesperadamente planejada, com terceiras intenções.

E assim, teria podado as árvores, extraído as ervas daninhas, regado as flores, aparado a grama e sentido o prazer compacto, retido na pétala já orvalhada de minha retina.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Desengasgo...

Agora eu vou cantar pros miseráveis
(...)
Pra quem não sabe amar
Fica esperando
Alguém que caiba no seu sonho
Como varizes que vão aumentando
Como insetos em volta da lâmpada
Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Pra essa gente careta e covarde
Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Lhes dê grandeza e um pouco de coragem

(Blues da piedade – Cazuza e Frejat)



Francamente não sei se é incoerência isso de sentir e não demonstrar. Sei lá, às vezes as pessoas querem se preservar, se proteger, têm seus motivos. Há de se considerar.

De qualquer modo, acho dificílimo entender que alguém diga gostar de outra pessoa e tenha atitudes tão incongruentes com a sua fala. Isso, claro, na melhor das hipóteses, porque tem quem gosta e não declara ou declara somente quando o outro já está murcho de tanto esperar, de tanto querer ouvir, depois que sua alma, coitada, está a ponto de compor a paisagem do cariri.

Reconsidero, é verdade: as pessoas sentem e se expressam de formas diferentes. Mas não acredito que se desconheça o que de terno pode haver num abraço acolhedor, no cuidado declarado sem ressalvas ou meias-palavras, nos que querem, a todo custo, confundir a franqueza do sentir com a fraqueza de sentir.

Eu sinto, sinto muito...

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

2008: primeiro pouso...

"Eu conheço todos os seus medos,
parece que são meus.
Deve ser como ter dois pés esquerdos
e falar com Deus
(...)
Eu esqueço todos os seus erros
finjo que não doeu.
Ponho um band-aid no meu dedo
e saio no apogeu

(Pra nos lembrar - Leila Pinheiro)



– Ah, claro! Feliz Ano Novo pra você também!

– Passei, sim, antes por aqui. É que fiz silêncio. Achei que talvez você estivesse descansando...

– Puxa, desculpe! Não queria parecer indelicada.

– Eu sei que você se ressente de tanto silêncio, mas eu não posso sanar isso. Eu venho sempre que posso, mas nem sempre tenho algo a dizer. Você me conhece. Há limites, é preciso respeitá-los. Pensa que também não sinto, que também não quero trazer um texto legal, uma imagem bacana, comentar uma idéia, te contar meus sonhos? Você não entende que asa não é só vôo, que às vezes é repouso? Não compreende que palavra também necessita calar?



(...)



– Aliás, acho que é uma boa hora pra isso acontecer. Eu venho aqui, querendo te encontrar e é assim que você me recebe? Por acaso perguntou como andei me sentindo, o que estava acontecendo?

– Olha, deixa pra lá, afinal não vou conseguir me explicar mesmo.

– Vou embora, sim. Que outra alternativa me resta?

- Falar, falar o quê?

- Novidades? Não, não tenho novidades, nenhum filhotinho de vôo pra te contar, ainda mais depois que minhas primeiras sementes de asas foram cortadas. Só queria dividir o meu nada, o que, de algum modo, acabei conseguindo.

– Passe bem!


Depois disso, fez-se um longuíssiiiiiimo silêncio que começou ao teclar no menu iniciar e, em seguida, desligar o computador.
Era noite de fantasmas.