segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Em meu socorro...

Ontem, no Programa Entrelinhas (TV Cultura), tive um primeiro contato com a poesia de Mariana Ianelli, poeta paulista que apresenta uma produção consideravelmente recente, mas de grande consistência. Assim me pareceu.

Hoje, visitando o seu site, confirmei minha impressão inicial e já pus os seus livros na lista de futuras aquisições poéticas.

Infelizmente, por uma questão de memória deficitária e não seletiva, não consigo resgatar algumas de suas falas no tocante à poesia, mas lembro bem de dois fragmentos.

No primeiro referia-se aos "benefícios impalpáveis da poesia..." Desnecessário comentar.

No segundo, disse textualmente "a minha solidão socorre a tua" e a sua fala foi, pra mim, uma espécie de mão estendida; uma voz emprestada a quem tendo-a, não consegue (ou deseja) mais emiti-la.

(Arte: Oswaldo Guayasamín)




Voz de ninguém

Tão somente um gesto
E não o fiz.
Que muitos houvessem tentado,
Apenas eu resisti.

Homens que marcham, que se deixam levar,
Porque vivem.
Estranho guerreiro, eu não marcho.
Corpo morto, já não me carrego.

À frente de cem milhas agrestes,
Como se contra o nada, respondi:
- Estou aqui e aqui perduro.
Isto que hoje fala em mim, em mim se cala.

Mariana Ianelli
Site oficial: http://www2.uol.com.br/marianaianelli/

sábado, 27 de setembro de 2008

Sábado morto...

"Vendo novas madrugadas
Minha mente, e meu corpo
Nesse sábado morto
Eu quero lhe entregar
Eu quero lhe entregar..."

(Roberto Carlos / Erasmo Carlos - Sábado Morto)



Reaprender o Sábado

É lição estendida também ao domingo.
Educar os ouvidos ao silêncio das máquinas adormecidas e talheres engavetados.
Acostumar os olhos ao fantasma azul do horizonte.
Imprimir na pele as impressões da ausência.
Desentender de amanheceres, do cheiro da casa, dos mistérios do tempo, da cumplicidade dos cômodos.
Implorar à memória anestésicos esquecimentos e ir especializando-se nessa matéria ácida e crescente, chamada saudade.
E eu sequer falei das palavras, devoradas pelo teu silêncio.


Saudade padrinho, toda saudade (11 meses...)



“O senhor sabe? Já tenteou sofrido o ar que é saudade? Diz-se que tem saudade de idéia e saudade de coração...”
“(...) o senhor querendo ir, então vai, mesmo me deixa sentindo sua falta”

(João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas)

sábado, 13 de setembro de 2008

Queda Livre


"(...) a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar de ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a idéia e o sentir da gente; o que isso era falta de soberania, e farta bobice, e fato é."
(Guimarães Rosa - Grande Sertão: veredas / Arte: P. Picasso)



Não acreditasse na força das palavras, eu mesma me arrepiaria com o que o que hoje seria capaz de escrever sobre raiva, mágoa, culpa, rejeição e desafetos do gênero.

Definitivamente, não me assusta a possibilidade de escrever a respeito, mas sim a dureza com a qual poderia fazê-lo, o que talvez me trouxesse sentimentos tão ou mais danosos em relação aos que já estava sentindo.

Passadas algumas horas, o peito ainda pulsa desordenado. Sei que a raiva, a que tanto me pediram, não foi embora, mas busco nas palavras um pouco de serenidade e, talvez, alguma elaboração.

Lembro que a uma certa altura do poema Tabacaria, o poeta (Álvaro de Campos) declara "(...) vou escrever esta história para provar que sou sublime”. Talvez seja isso que eu pretenda com esta postagem: provar que (ainda) sou sublime, a despeito de toda raiva e descontrole que a motivou.





QUEDA LIVRE


“Passarinho cai de voar, mas bate suas asinhas no chão”
(Guimarães Rosa – Grande Sertão: veredas)


Em geral é assim: o afeto pousa e as palavras voam. O vôo traduz a intensidade e a beleza do afeto.

Pode ser um vôo pleno, bonito toda vida ou um silencioso planar.

Um vôo liberto: asas que reconquistam um espaço perdido, ressignificam o azul do céu e o sentido do voar.

Um vôo tímido, apreensivo do próprio sentir. Ou até mesmo um vôo ousado, dando tudo de si, talvez por desconhecer o limite entre a doação e a insensatez.

O vôo em queda livre não pode ser descartado e é assustador quando sua motivação traduz uma ação auto-destrutiva em detrimento de uma atitude desafiadora.

A raiva alimenta o motor, agita as asas, estraga o vôo, embaça a visão, desloca a paisagem.

Pena não ter tido uma pane por falta de combustível. É certo que alguma coisa dentro de mim explodiu.

(VaneideDelmiro)

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Só hoje vi Helena...








(Arte: Amedeo Modigliani)




À Helena (in memorian)


Hoje, só hoje, vi Helena
como nunca tinha visto.

Helena não era de Tróia
- apesar de sua beleza.
Helena não protagoniza
o romance machadiano.
Helena era tão-só-grandemente
a esposa de meu primo Lúcio
e a mãe de seu filho, Luquinhas.

Mas hoje, só hoje, vi Helena:
a tez branca, muito límpida
e a paz cristalizada
em seu quase sorriso mudo.

Não pudemos dizer nada,
nenhuma palavra trocamos.
Ela, muito discreta,
eu mesma emudeci.

Pensei em nossos 34 anos
(nos dela e nos meus)...
Mas o que importa a idade
se nos marca o irreparável?

(VaneideDelmiro)


"Morre-se! As matemáticas eu entendo mais" (Adélia Prado)

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Enigma...


É verdade. Nunca decifrei o que o itálico de minha letra queria destacar, mas o aprecio em silêncio, afinal tanta inclinação parece mesmo querer dizer algo. Mas o quê?

Nem louca – que é modo mais puro de se aproximar da verdade – eu revelaria (caso o soubesse, evidentemente).

Ainda assim, aos curiosos de plantão, espiando disfarçada e sorrateiramente atrás das cortinas da amizade; àqueles que me lançaram, sem nenhum pudor ou piedade, suas inocentes perguntas ou comentários, seus olhares reinaugurando a Inquisição, a estes eu diria, satisfazendo suas almas invasivas, que “inclinar-se” é "um modo de se lançar", "ir em busca de", "estar disposto a", mas também significa – e por que não o seria? – "um deviar-se da linha reta", ou, poeticamente falando, um "abismar-se por desejo, quiçá sem vontade".

Agora, se puderem, pensem por si só.


(VaneideDelmiro - Julho/2007)




"E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
surpreenderá a todos não por ser exótico
mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
quando terá sido o óbvio"


(Caetano Veloso - Um índio)



Fonte da gravura: www.cosmonauta.com.br/fernando/