sábado, 5 de fevereiro de 2011

ANDARILHO


À Airton, in memorian

Existirmos: a que será que se destina?
(Caetano Veloso)


Da última vez que nos vimos, vinha trazido por uma ambulância do hospital geral. Peito arfante, olhar aflito, maltrapilho, transpirava angustia por todos os poros. "Eu quero um remédio, doutora, preciso de um remédio..." Oferecemos água e escuta. Não era suficiente.

Insistemente continuava pedindo o que julgava lhe acalmar. Ele não nos comovia com o seu pedido urgente, mas com a certeza de que atendê-lo, quando muito, apenas lhe traria um efeito apaziguador temporário, e de que todo o nosso esforço de acolhimento esbarrava no limite do fazer humano, por maior dedicação que nos movesse. Era claro: aquele homem alto, com voz de trovão, nos escapava entre os dedos.

Afinado, lembro muitas vezes de ouvi-lo cantar "Só vou gostar de quem gosta de mim", cujo primeiro verso afirma: "de hoje em diante vou modificar o meu modo de vida..." É, Airton, algo se modificou... E como diz aquela outra canção "apenas a matéria vida era tão fina..."

Talvez nunca consigamos responder se suas andanças expressavam uma busca louca por algum sentindo na vida ou se eram, tão somente, uma fuga de si mesmo. O fato é que perguntas e respostas já não têm nenhuma importância.

Que de agora em diante você pise suavemente nas nuvens do céu. Algo me dá a certeza de que aquilo que você tanto procurava como andarilho, nas ruas de Cabedelo e de João Pessoa, e o mais que sequer ousou sonhar, encontrará definitivamente nos braços amorosos de Deus.

(VaneideDelmiro)


"Vinde a mim, todos que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei" (Mateus 11:28)