domingo, 3 de maio de 2009

Por dentro

Não era receita nem nada. Mas as palavras e os (des)afetos chegavam como ingredientes: uma pitada de maldade, porções generosas de mentira, colheres de egoísmo, xícaras de imprudência, medidas de arrependimento, lascas de curiosidade alheia.

Tudo cuidadosamente misturado e despejado em fôrma previamente aquecida e untada com covardia.

Talvez a fome fosse tanta que não se deu conta do prato que ia sendo preparado, do aroma desagradável que se acentuava minuto após minuto.

Como poderia ser diferente? Ao final, tinha a sua frente uma coisa feia, bem feia, medonha: intragável, disforme, indigesta, assim como passara a se sentir por dentro.


(VaneideDelmiro)



“(...) faz de conta que ela não estava chorando por dentro – pois mansamente, embora de olhos secos,
o coração estava molhado; ela saíra agora da voracidade de viver."
(Clarice Lispector)

"(...) garrava a ter nôjo de mim no meio dos outros."
"(...) me sentir pior de sorte que uma pulga entre dois dedos." .
"(...) grande vão, eu atravessava."
(João Guimarães Rosa - Grande Sertão: veredas)

3 comentários:

Camilla Tebet disse...

E a relação com o que ingerimos.. vc falou tão bem do que sente relacionando com o qu escolhemos por pra dentro.

Paixão, M. disse...

essa coisa feia e malcheirosa aí chama mágoa, chama não? ô, que às vezes dá de a gente cozinhar umas coisas dessas... e morre de azia.

beijo pra ti!

Anônimo disse...

Infelizmente, todos temos esses ingredientes é nosso interior que muitas vezes nos "domina". A grande questão é como lidar com tantos ingredientes???
ADOREI a forma como foi abordado...

Com carinho,
Marcelo Cavalcanti