sábado, 23 de maio de 2009

Os (in)cautos desejos da folha em branco


Queria o deslizar suave e macio da caneta descobrindo a textura de seu papel intocado.

Suas margens sonhavam expandir-se, sem resistência, à inscrição de cada palavra nova - impressa, escrita, talhada - dando-lhe a certeza, ainda que falsa, de um além-fronteira.

Esperava iluminar-se como lâmpadas em postes enfileirados, letra-após-letra.

Extasiava-lhe a idéia da tinta penetrar seus poros, atingi-la quiçá pelo avesso e marcar sua existência.

Que descobrissem seus contornos, suas imperfeições, suas possíveis dobras, o cheiro do novo e do velho, o mudo convite, a carta escondida, a poesia inconfessa, os entre ditos nas entrelinhas.

Seu fino arcabouço prestaria-se palco à estória mais linda, sem menosdesprezar a possível tragédia. De bom grado aceitaria até mesmo os rascunhos às pressas, os rabiscos livres de preocupações estéticas.

Que lhe arrebatassem das prateleiras, dos armários de aço, das gavetas encerradas, dos pacotes empilhados, da infame vida reprodutiva das fotocopiadoras, porque desejava uma outra condição, na condução da palavra.

(VaneideDelmiro)