segunda-feira, 18 de maio de 2009

Padecimentos









(Arte: Oswaldo Guayasamín - Las manos del silencio)



Novamente o silêncio invade a casa. Resoluto, não espera mais à porta. Familiar, não expressa timidez. Severo, abate todas as asas.

Fita-me com seus grandes olhos mudos, esperando respostas que não tenho pras perguntas que nem fez.

Deixa claro, ali parado, quase inerte, que não pretende partir em definitivo. Melhor perder, se há alguma, a esperança, afinal a vida em seus mistérios pode calar qualquer explicação.

Isso nitidamente o consola, mas a mim, a mim cuja sede de palavras é irrefreável, desola.

E na vã tentativa de não afugentar ainda mais o que já não existe, sigo sussurrando uma prece:

– Senhor, faz-me aceitar a assepsia da página, o vazio das linhas, a brancura da tela, os rabiscos abortados, a mudez das teclas, a paralisia das mãos, o repouso dessa língua, etérea. E que diante da perplexidade de tudo o que não há, eu consiga calar. Que a palavra sendo larva não irrompa seu casulo antes de poder experimentá-lo. E já que padeci de palavras, Senhor, ensina-me também a padecer de silêncios.

Amém!


(VaneideDelmiro)

2 comentários:

Jânio Dias disse...

Uma prece faz bem ao silêncio. As vezes é o que ele mais quer. Ser seu amigo é manter em aberto o convite da permanência.

Então... grite. Grite, grite, grite...

Grite impropérios, grite poesias... que muitos lhe ouvirão.

Beijo.

Anônimo disse...

ADOREI... Belíssimo texto, impecável nas colocações. Acho que o silêncio muitas vezes nos falam mais que as palavras, além de ensinar com uma sabedoria que não se encontra nas vozes e sim, no mais profundo de nosso ser.
O silêncio se revela a voz do Criado há ensinar.

Continue sempre assim, escrevendo belamente textos que nos fazem silenciar e escultar a voz do Criador através de você.

Beijos carinhosos,
Marcelo Cavalcanti