domingo, 29 de março de 2009

Já?...

JÁ SENTIU UMA ESPERANÇA VIVA DENTRO DO SEU CORAÇÃO? Já viu acesa uma luz inexplicável dissipando a escuridão? Já vislumbrou o futuro sem medo, mas com um enorme desejo de conhecê-lo? Já viu cicatrizes se tornarem invisíveis e, com elas, todos os vestígios da dor? Já recriou sonhos sem lamentar os que não se realizaram? Já perdôou as culpas de sua consciência? Já libertou seus pássaros interiores, permitindo-lhes voar o mais alto e o mais distante? Já quis ser você? Já repeliu o que era tão e somente seu? Já cobiçou o que não lhe pertencia? Já pensou no amor se realizando? Já se sentiu capaz de amar e ser amado, ambos (se) amando? Já viu os nós desatando? Já experimentou a ternura de um toque? Já olhou pela janela com ânsia de prisioneiro e sentiu a liberdade ainda ao alcance? Já interpretou a vida com a lógica de um louco e tudo fez sentido? Já quis ser poeta e nada mais pareceu ter tanta importância? Já confiou como criança? Já conversou com Deus? Já quis tanto encontrá-Lo? Já se perdeu nessa busca e ficou desesperado? Já se curvou diante de Sua infinita misericórdia? Já O colocou contra a parede por não compreender seus propósitos? Já reconheceu a fragilidade de sua própria fé? Já se sentiu pequenino diante do insondável e teve medo de admiti-lo? Já rezou, em silêncio, com o olhar estendido para o céu e essa foi a sua oração mais verdadeira? Já se sentiu fraco e quis esconder a sua fraqueza? Já quis colocar as cartas na mesa? Já protagonizou um dilema? Já quis morrer? Já se arrependeu de querê-lo? Já viu referenciais caírem por terra? Já se sentiu movediço pisando em você mesmo? Já gritou seu nome por inteiro tentando se encontrar? Já fez coisas inúteis acreditando que valiam à pena? Já negou o que antes prometeu? Já deu o que não era seu? Já juntou os cacos espelhados pelo chão? Já voltou atrás quando o orgulho ordenava seguir adiante? Já se arriscou em abismos? Já morou na casa do perigo? Já varou madrugada-após-madrugada em busca de abrigo? Já ardeu em febre e isso te foi leve? Já sofreu de demoras? Já tratou das urgências? Já cumpriu os mandamentos? Já jurou aos quatros ventos? Já ajoelhou aos pés do sacramento? Já secou as chuvas que molharam teu colchão? Já lavou as suas mãos? Já esteve por um fio? Já experimentou um vazio sem razão, que não é apenas vazio? Já quis chorar quando sorriu? Já disse um “não” por um “sim”? Já foi metade querendo ser uno? Já se defendeu antes da acusação? Já tirou as máscaras? Já despiu sua alma? Já silenciou quando as palavras proliferavam? Já disse o que não podia? Já ouviu o que bem queria? Já tentou voltar atrás? Já disse um "nunca mais"? Já acreditou na escrita como forma de ser salvo e se sentiu consolado? Já quis viajar pra não sei onde e fazer não se sabe o quê? Já quis ficar por lá? Já quis voltar? Já se curvou diante da morte? Já acreditou na sorte? Já quis reverter o tempo? Já quis colorir o vento? Já foi sequestrado por um único raio de sol e desejou não ser resgatado? Já provou a força da natureza? Já fitou os olhos da beleza? Já se sentiu importante pra alguém? Já se sentiu um zé ninguém? Já encarou a solidão de frente? Já nadou contra correntes? Já se permitiu esquecer? Já fez do esquecimento um alento? Já lembrou e quis reviver? Já sentiu o gosto agridoce da saudade? Já ouviu uma voz apaziguadora? Já lutou contra um afeto? Já sorriu de seus receios? Já largou tudo no meio? Já chegou ao fim da linha? Já desligou em pleno clima? Já ficou à toa, ao léu, a esmo? Já contrariou desejos? Já renunciou a paz? Já acreditou, de verdade, que tudo passa? Já cuidou de si mesmo como quem o faz a um amigo querido? Já foi socorrido? Já perdeu a hora? Já jogou tudo fora? Já andou na contramão? Já encontrou alguma direção? Já desejou um março menos intenso e um abril mais ameno? Já se indagou sobre o cimento que sedimenta as relações? Já clamou por calma? Já perdeu a graça? Já se encorajou? Já desperdiçou o melhor? Já se sabotou? Já quis ver tudo mudado: a casa, a rua, o bairro que habitam em você? Já te interpelaram? Já se interrogou? Já?...
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(VaneideDelmiro)
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"(...) ergo a cabeça da minha vida anônima, para o conhecimento claro de como existo. E vejo que tudo quanto tenho feito, tudo quanto tenho pensando, tudo quanto tenho sido é uma espécie de engano e de loucura."
(Fernando Pessoa)
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"Mas a si mesmo, Sidarta, não se dava alegria. Para si, não era nenhuma fonte de prazer. (...) Visões acometia-no e também pensamentos irrequietos, brotados das águas do rio, a faiscarem nos astros da noite, a fundirem-se sob os raios do sol. Devaneios assomavam-lhe aos olhos. O desassossego do coração invadia-o, vindo da fumaça dos sacrifícios (...)"
(Hermann Hesse)
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"Como devem sentir-se em ordem e de acordo com todos! Isso deve ser bom... Mas o que se passa comigo e como isso vai acabar?"
(Thomas Mann)
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"Viver é muito perigoso."
(João Guimarães Rosa)

7 comentários:

Jânio Dias disse...

Ei! Que belezura!

Já fui, já quis, já tive, já fiz, já estive, já pensei, já senti... tanta coisa... exatamente como agora.

Ludmila Clio disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ludmila Clio disse...

Nossa... arrepios mais arrepios... um grande tapa na cara, mas gostoso! Creio que respondi mais sim que não, isso me parece bom... imagino que vc escreveu essas lindezas em um momento crucial... vou reler mais vezes. Pensar na vida, no que fazemos dela às vezes nos frustra, pq percebemos que não estamos a fazer nada. Por isso é bom passar aqui e reler tudo isso, dar uma grande sacudida na alma!!!
Estou maravilhada, parabéns!!!

(e espero que Luísa tenha sim um quê de poeta! Obrigada pelo comentário, ela ficou toda boba!!!)

Marcelo Cavalcanti disse...

Lendo esse poema JÁ?... É impossível não se vê em algumas dessas situações. É preciso olha para dentro de si, lá no fundo de nosso ser e procurar as respostas, limpar nossa alma com a luz que habita em nosso interior, concordo com Fernando Pessoa quando diz: “(...) tenho sido é uma espécie de engano e de loucura.” Vejo em suas palavra a expressão do mais fundo do ser.
Parabens!!!

Marcelo Grillo disse...

Oi Vaneide, acho que respondo sim pra tudo. Sou uma grande besta sonhadora. E sou feliz assim. Grandes questões pra quem tem medo de viver. Eu não tenho. Bj

Bia disse...

Olá Vaneide, tornei-me sua admiradora. Texto muito bom. Lembrou a dialética de Platão, respostas dadas pelas perguntas.
Parabéns

Ludmila Clio disse...

Moça, estou com saudade de ler linhas inéditas!! Quando irá postá-las??
Beijo!!!