terça-feira, 3 de março de 2009

Vale a pena ver de novo...

Só o que sei, April, é que quero sentir as coisas. Senti-las de verdade. Não é uma boa ambição?

Muita gente percebe o vazio, mas é preciso ter coragem para ver a falta de esperança...

Saber tudo o que você tem, saber o que você precisa e saber como sobreviver sem tudo isso. É isso que se chama controle de inventário...

(Do filme: Foi Apenas um Sonho)



AS RAÍZES SÃO O DESEJO

Se alguém nos diz que "foi apenas um sonho", isso pode representar um grande alivio ou um terrível pesadelo...

Abortar um sonho pode ser tão ou mais danoso do que não conseguir concretizá-lo a contento. Essa é uma das muitas impressões suscitadas em Foi Apenas Um Sonho, drama protagonizado por Leonardo Di Caprio e Kate Winslet, no papel de Frank e April, respectivamente. Ambos, o simpático casal Wheeler.

Jovens, bonitos, admirados, Frank e April levam uma vida pacata, confortável, enquadrada nas expectativas sociais, sem tribulações... Ele, funcionário de uma empresa, na qual seu pai também trabalhou; ela, uma irretocável dona de casa, dedicada ao marido e aos dois filhos, após ter abandonado a carreira de atriz (não muito convincente pra ela mesma).

Sem muito esforço, é possível imaginá-los envelhecendo juntos, na saúde e na doença. Cadeiras de balanço lado a lado, saboreando uma boa xícara de chá, curtindo os netos e a segurança apaziguadora de um cotidiano previsível. Até que a morte os separe...

Mas a mesma previsibilidade que lhes trazia segurança passa também a ser fonte de insatisfação, deslocando o desejo, engendrando um novo sonho que pode - por que não? - ser a retomada de um velho projeto engavetado. É o abandono do vazio, a busca por uma esperança perdida...

É April quem ousa inicialmente sonhar, conceber o sonho como a um filho. Ouvira antes os comentários entusiastas do marido sobre Paris – um lugar de gente diferente – e acredita poder romper a mesmice de suas vidas mudando de cidade, de papéis: ela trabalharia enquanto ele poderia dedicar-se ao estudo e a descoberta de quais seriam seus verdadeiros interesses.

Seria somente absurdo, não fosse tão tentador. E o sonho de um é abraçado pelos dois, ante a perplexidade de amigos, vizinhos, colegas de trabalho.

É bonito vê-los sonhar, imaginar o futuro, se atirar de peito aberto, respirar o novo antecipadamente. Chega a ser assustador o despreendimento, a ousadia, a confiança e a certeza que passam a exibir em suas feições, na forma de andar. Suas raízes se chamam desejo.

Envoltos no sonho, não contavam com as voltas que a vida dá: a oferta de nova e melhor remunerada função na empresa e a gravidez inesperada da esposa levam Frank a interrogar a decisão então tomada. Não sei se o ápice do filme, mas seguramente um de seus pontos altos, porque os confrotará com o próprio desejo e com o desejo de um pelo outro.

Em meio a toda racionalidade de Frank e a desolação mortificante de April, é da figura “insana” de John (Michael Shannon) – filho de um casal vizinho – que a lucidez se aclara em verdades insuportáveis, porém verdades.

Daí por diante assiste-se a tentativa desesperada de recolocar o trem nos trilhos, tardiamente...

É inquestionável a força simbólica do aborto provocado por April nos momentos finais do filme. A interrupção violenta da gestação é também a impossibilidade de permanecer viva sem acalentar um sonho e partilhá-lo com que se ama.

Saí do cinema repetindo mentalmente foi apenas um filme, foi apenas um filme, foi apenas um filme, mas eu sei que não é apenas um sonho...

(VaneideDelmiro)



Para / De fingir que não repara / Nas verdades que eu te falo / Dá um pouco de atenção / Parta / Pegue um avião, reparta / Sonhar só não tá com nada / É uma festa na prisão / Nosso tempo é bom / Temos de montão / Deixa eu te levar então / Pra onde eu sei que a gente vai brilhar...
(Mulher Sem Razão – Cazuza/Bebel Gilberto/Dé)

(...) E como fruta que amadurece / E necessita de alguém que coma / A sua polpa que por dentro cresce / Lhe dando corpo e aroma / Os sonhos também apodrecem / Se com o tempo ninguém os reclama...
(Mesmo Assim / Biquini Cavadão)

2 comentários:

Mario. disse...

Que bom que gostou! Belos textos também!
Apareça com masi frequência e afinal, onde encontrou o aindabemque?

beijos.

Anônimo disse...

Sonho só é sonho quando se sonha junto. Isso é certo.

"Só o que sei, April, é que quero sentir as coisas. Senti-las de verdade. Não é uma boa ambição?"
E isso é lindo!