quinta-feira, 5 de julho de 2007

A NOITE TAMBÉM...

TUA MANHÃ SE CURVA (Iacyr Anderson Freitas)


Chegará a hora,
sob o mesmo assombro.

Tudo por fazer, a casa em desordem.
Nenhum dever cumprido.

O mesmo vazio bate à porta.
Não tens palavra. De novo
essa ausência de linguagem
que distende o mundo.

Tesouro algum foi buscado?
No horizonte houve um rumo? Uma medida?

A tudo respondes com rancor.
No mais íntimo de teu corpo
algo se move.

O tempo não traz resposta. A madureza
punge os ossos: tua manhã se curva.

Por fim, o asco. Preso à mão
quando a mão se escreve.

Aprende-se a conviver com ele
sem temor. O que era incômodo
faz-se vício.

Mas o mergulho é curto:
a dor te chama pelos cabelos.
Vens à tona.

De novo
o olhar irrefletido, de bicho,
sem notícia do tempo submerso.

De novo
a imperiosa vontade de viver,

que não deixa de ser, no fundo,
uma forma menor
de esquecimento.




Eu sempre me impressionou com o fato de um texto, cuja autoria não é própria, ser capaz de dizer tanto e tão bem sobre o que se está vivendo ou sentindo num dado momento. É uma espécie de eco que vem em resposta a uma voz muda, trazendo consolo a quem experimenta uma terrível solidão: sem par, indo a parte alguma.

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