domingo, 22 de julho de 2007

FRASEADOR...

Manoel de Barros foi uma deliciosa descoberta que veio através da indicação de uma artista plástica, Maria do Bessa (hoje Maria dos Mares), com quem tive a grata experiência de trabalhar em oficinas de artes, num ambulatório de saúde mental, há quase uma década. O fascínio e a admiração pelo trabalho de Maria, sobretudo com o "barro", se estendeu também ao poeta tecendo o delírio do verbo. Dos textos e poemas lidos desde então, um me toca particularmente, pela beleza e sensibilidade. Melhor apresentar...


"HOJE EU COMPLETEI OITENTA E CINCO ANOS. O POETA NASCEU DE TREZE. NAQUELA OCASIÃO ESCREVI UMA CARTA AOS MEUS PAIS, QUE MORAVAM NA FAZENDA, CONTANDO QUE EU JÁ DECIDIRA O QUE QUERIA SER NO MEU FUTURO. QUE EU NÃO QUERIA SER DOUTOR. NEM DOUTOR DE CURAR NEM DOUTOR DE FAZER CASA NEM DOUTOR DE MEDIR TERRAS. QUE EU QUERIA SER FRASEADOR. MEU PAI FICOU MEIO VAGO DEPOIS DE LER A CARTA. MINHA MÃE INCLINOU A CABEÇA. EU QUERIA SER FRASEADOR E NÃO DOUTOR. ENTÃO, O MEU IRMÃO MAIS VELHO PERGUNTOU: MAS ESSE TAL DE FRASEADOR BOTA MANTIMENTO EM CASA? EU NÃO QUERIA SER DOUTOR, EU SÓ QUERIA SER FRASEADOR. MEU IRMÃO INSISTIU: MAS SE FRASEADOR NÃO BOTA MANTIMENTO EM CASA, NÓS TEMPO QUE BOTAR UMA ENXADA NA MÃO DESSE MENINO PRA ELE DEIXAR DE VARIAR. A MÃE BAIXOU A CABEÇA UM POUCO MAIS. O PAI CONTINUOU MEIO VAGO. MAS NÃO BOTOU ENXADA".
(Manoel de Barros - Memórias Inventadas - Infância)




As letras maiúsculas são pra reafirmar o quanto gosto do texto.

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