segunda-feira, 9 de junho de 2008
Como colher a flor?
O poema a seguir, um dos meus prediletos, foi escrito em 1943 por João Cabral de Melo Neto. O Carlos a quem faz referência é também o grande poeta Carlos Drummond de Andrade.
Postá-lo aqui talvez indique náusea em demasia...
Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.
Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.
É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.
Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras —
Funcionárias, sem amor.
Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.
E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.
Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança
Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar...
Fazer seu nojo meu...
Carlos, dessa náusea
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.
(João Cabral de Melo Neto - Difícil ser funcinário)
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2 comentários:
Que lindo! E como colher a flor? Não temos Carlos em nossa vida....
Menina, até me arrepiou...me vi em cada linha e com medo de me acostumar e acomodar meus cotovelos em cinzas-móveis, móveis cinzas... Gostar do que se tem, é uma arte.
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