terça-feira, 26 de agosto de 2008

O sonho, a realidade e o travo...



Depois de dias sem escrever uma única linha, achei que a "Ladra" (minha última postagem) acabou roubando bem mais que o meu sábado, e isto eu penso há dias. Acho que de tanto pensar, acabei sonhando à noite passada com um assalto aqui em casa. Eram três ladrões: uma mulher e dois homens.

Ela investia pela janela, enfiando seus braços entre os espaços da grade tentando alcançar objetos no interior de um dos quartos. Eu acordava com o barulho de coisas sendo mexidas e descia a escada para verificar o que acontecia. Assim que me deparava com a cena eu me armava com um martelo e espancava o braço dela, na tentativa de expulsá-la. Puxa, por que será que ninguém acordou com aquela barulheira toda...

Nem reparei se ela foi embora, se levou algo, o quanto se machucou, porque logo em seguida tive que agir numa nova investida, desta vez na área que antecede à cozinha. Era um ladrão tentando abrir os três cadeados da grade. Desta vez eu arrastava tudo que podia pra trás da porta, tentando criar uma barreira que impedisse a sua abertura. Eu gritava tentando chamar a atenção dos vizinhos. Ninguém respondia, ninguém levantava. Num átimo de segundo pensei: quero o nome desse tarja preta.

Daí a pouco lá estou em outro cômodo da casa, se outro quarto ou a sala, eu não lembro, mas o esforço era o mesmo: o de impedir a entrada. Não havia falas nem rostos identificáveis, apenas a movimentação, a correria, o coração disparado, o sentimento de solidão, o esforço para manter intacto o ambiente, a integridade das pessoas. Que agonia, meu Deus!

Acordei em sobressalto. Cadê a água que trouxe aqui pra cima, cadê a água? Tinha certeza que estava ali na mesa. Pronto, levaram a água também. Nem acendi a luz, com medo da realidade. Tanta janela nesse quarto. Tanto frio nesse quarto. Fui procurando no tato. Encontrei. Goles de camelo num deserto. Calma! Foi um sonho. É certo que nada está seguro, mas foi um sonho.

A realidade foi constatar ao chegar em casa hoje, à noitinha, que roubaram a lâmpada fluorescente da garagem. Não é a primeira vez. Coincidência? Pressentimento? Fato?

O sonho ficou como lembrança (objeto para análise).

A realidade como um chamamento à cautela.

O texto postado – LADRA – como uma espécie de travo... Não sei se consigo explicar. Algo como provar e não degustar, tocar e não sentir, olhar e não ver, saber o que precisa (e deve) ser feito e não agir.

Acho que preciso de uma antiácido... E de boas doses de mudança de atitude.

(VaneideDelmiro - Arte: Miró)

sábado, 9 de agosto de 2008

Ladra












(Arte: Mariana Massarani)



Sábado, a rotina se repete. As sensações também. Enquanto as obrigações se amontoavam por toda a casa, eu tentava inutilmente (re)agir propondo-me coisas de aparência banal, mas em essência vital...

Quem sabe alguns instantes em frente ao mar, olhando o horizonte até perder-se (ou mesmo achar-se) no azul do olhar.

Pra alma endurecida, um pôr-de-sol ao som do Bolero de Ravel bem podia funcionar.

Um caminhar errante, descompromissado, traria a impressão de uma trégua do tempo, que finalmente decidiu também relaxar.

Abraço festivo de sobrinho é antídoto certo pra algumas dores aliviar. Analgésico de poder curativo similar só mesmo um ombro Amigo tem a ofertar.

Seguir de carro, de ônibus, de trem, a pé pra algum lugar onde se deseje realmente estar.

Pizza, à noite, com a família não se deve dispensar. Para além das trocas calóricas, estão as afetivas.

Sentir o cheiro de quem teu coração faz pulsar. E pulsar.

Ouvir a voz, a única possível, capaz de embalar teu sono mais improvável, mesmo se no meio da música desafinar.

(...)

Clarice Lispector iniciou uma de suas crônicas declarando: “acho que o sábado é a rosa da semana...” É poético, Clarice, mas há um tempo não consigo cultivar jardins.

Admitir, enfim, que o sábado em suas possibilidades de florescimento não é subtraído de mim pelo cotidiano de afazeres, mas eu sim, eu mesma, ladra que sou, o tenho roubado de mim.

(VaneideDelmiro)




Lispector, Clarice. Sábado. In: A Descoberta do Mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Apaixone-se...

"Muita coisa importante falta nome"
(G. Rosa / Grande Sertão: veredas)




Acreditei ingenuamente que a escrita fina deslizando na folha macia pudesse suavizar palavras, mas temo ter me equivocado.

A impressão é a de que acordei e, no entanto, todas as palavras dormem um sono profundo, sem que eu possa despertá-las. Então, eu fico querendo dizer sem saber como fazê-lo.

Perdão e desculpa são palavras que me envergonham: as usei tantas vezes. Banalizaram-se? Não, as banalizei. Mas quando as pronuncio, acredite, ainda são sinceras.

Saudade, palavra superdimensionada. Bobagem, ninguém vai morrer ou esquecer, mesmo parecendo que sim.

Atenção e carinho desenham-se de tantas formas... É preciso alguma sensibilidade.

Cuidado, palavra terna, porém perigosa. Tanta ternura pode ser esmagadora.

Egoísmo, uma espécie de sobrenome; tenho descoberto... Palavra com raiz forte assim é difícil de arrancar. Sofre o jardineiro, sofre a rosa e os espinhos também não deixam de sentir.

Má interpretação, expressão afermentada em excesso. Rainha dos desentendimentos.

Amizade, palavra que não cansa, mas é preciso reconhecer, sim, um certo cansaço. Afinal o é que a amizade sem a espontaneidade no falar e no sentir? Um protocolo de ações de uniforme limpo e engomado, sem o menor sinal de contato humano.


Amor, palavra que cala qualquer outra...

(...)

Estou indo embora.

Desculpe (que vergonha!!!) a minha inabilidade pra te compreender. Não posso extirpar as tuas dores, tampouco te livrar das intempéries. Mas a cada dia tenho a consciência monstruosa de que te proteger de mim ajudaria bastante. É terrível fracassar tantas vezes.

Desejo-te VIDA: ampla, verdadeira, iluminada.

Apaixone-se! Por uma causa, uma pessoa, uma idéia, um sentido, pois em nenhuma outra situação se é tão forte, contraditoriamente.

(VaneideDelmiro 2006/2007)

"Das mais bonitas mentiras..."












(Arte: Mariana Massarani)



A Fé Solúvel

É, me esqueci da luz da cozinha acesa
de fechar a geladeira
De limpar os pés,
Me esqueci Jesus!

De anotar os recados
Todas janelas abertas,
onde eu guardei a fé... em nós

Meu café em pó solúvel
Minha fé deu nó
Minha fé em pó solúvel

É... meu computador
Apagou minha memória
Meus textos da madrugada
Tudo o que eu já salvei

E o tanto que eu vou salvar
Das conversas sem pressa
Das mais bonitas mentiras

Hoje eu não vivo só... em paz
Hoje eu vivo em paz sozinho
Muitos passarão
Outros tantos passarinho
Muitos passarão

Que o teu afeto me afetou é fato
Agora faça me um favor

Um favor... por favor

A razão é como uma equação
De matemática... tira a prática
De sermos... um pouco mais de nós!

Que o teu afeto me afetou é fato
Agora faça me um favor

Um favor... por favor

(Fernando Anitelli - O Teatro Mágico)

domingo, 3 de agosto de 2008

Pingos nos is



Is contra Gotas

A torneira tagarela
seu in-ter-mi-ná-vel
go
te
jar.

Mas é da folha em branco,
taciturna,
o desejo de falar.

A luta mais desigual
é a que não se pode lutar:
se ao menos houvesse is
pra essas gotas pingar...



(VaneideDelmiro)