terça-feira, 27 de maio de 2008

Padrinho... Sete meses...

"Saudade, só..."


"(...) como era que um daquele podia se acabar?!"


"Deviam de tocar os sinos de todas as igrejas!"


"(...) era como levando eu, de milhares, uma carga de chumbo grosso ou chuvas-de-pedra."


"Muita coisa importante falta nome."


"Acho que nós dois éramos mesmo pertencentes."


"Quanto mais ando, querendo pessoas, parece que entro mais no sozinho do vago..." - foi o que pensei na ocasião. De pensar assim me desvalendo. Eu tinha culpa de tudo, na minha vida, e não sabia como não ter. Apertou em mim aquela tristeza, da pior de todas, que é a sem razão de motivo; que, quando notei que estava com dor-de-cabeça, e achei que por certo a tristeza vinha era daquilo, isso até me serviu de bom consolo. E eu nem sabia mais o montante que queria, nem aonde eu extenso ia."


(Fragmentos Grande Sertão: veredas - João Guimarães Rosa)

terça-feira, 13 de maio de 2008

Carta a João Pedro

"Mas eu olhava esse menino, com um prazer de companhia, como nunca por ninguém eu não tinha sentido. Achava que ele era muito diferente, gostei daquelas finas feições, a voz mesma, muito leve, muito aprazível. Porque ele falava sem mudança, nem intenção, sem sobêjo de esforço, fazia de conversar uma conversinha adulta e antiga. Fui recebendo em mim um desejo de que ele não fosse mais embora, mas ficasse, sobre as horas, e assim como estava sendo, sem parolagem miúda, sem brincadeira - só meu companheiro amigo desconhecido.
(...)
Ele, o menino, era dessemelhante, já disse, não dava minúcia de pessoa outra nenhuma."

(Grande Sertão: veredas - João Guimarães Rosa)




João,

Sei que você irá, ao longo da tua existência, encontrar vários sentidos pra essa passagem tão singular aqui, nesse planeta chamado Terra. De qualquer modo, e sem querer me antecipar, quero muito que saiba que um desses sentidos é a tua importância em minha vida: a alegria que sinto quando fecho os olhos e vejo a tua imagem ou, simplesmente, pronuncio o teu nome em silêncio.

Essa alegria, João, não é menor quando de teu chamamento – “tia!”: a onda beijando macio a areia, a geleira rendendo-se a um único raio de sol.

Eu sempre pergunto o porquê de te amar tanto e você sempre diz não saber. Além de tudo, João, você é modesto.

É bom que haja entre nós laços familiares, mas se não houvesse eu te amaria da mesma forma. Não amaria maior porque maior não haveria.

Você é um menino muito, muito especial. Inteligente, criativo, gentil e de grande sensibilidade. E tudo isso tá escrito no teu rosto, nos teus gestos doces e atenciosos.

Guardo na memória várias situações nas quais estivemos juntos. Gosto de lembrar você.

A experiência de te ver crescendo é maravilhosa e é redimensionada ao perceber que o nosso afeto segue nessa mesma direção.

Talvez não precise te falar. Você já deve ter percebido o quanto torço por sua felicidade. Que sua alma nunca seja fisgada por nenhuma gaiola ou mordaça, palavras que em nada combinam com você. Que você trilhe todos os caminhos de seu coração, sem esquecer que, além do prazer e da liberdade, nossa trajetória ganha sentido também na responsabilidade de nossos passos.

Estarei sempre contigo. Um abraço carinhoso, dessa que, em matéria de você, não sabe fazer outra coisa a não ser te amar.

Afetuosamente,

Tia Neide




João é o meu sobrinho do meio. Hoje é o dia de seu aniversário e há 10 anos a sua centelha brilha iluminando a minha vida. Tenho certeza de que a de muitas outras pessoas também.

sábado, 10 de maio de 2008

Menina branca como a neve - o caso Isabella

Quando você for-se embora
Moça branca como a neve
Me leve, me leve

Se acaso você não possa
Me carregar pela mão
Menina branca de neve
Me leve no coração

Se no coração não possa por acaso me levar
Moça de sonho e de neve
Me leve no seu lembrar

E se aí também não possa
Por tanta coisa que leve
Já viva em seu pensamento
Moça branca como a neve
Me leve no esquecimento
(Me leve - Ferreira Gullar)





Quem de nós, na infância, não ouviu atentamente a estória da Branca de Neve? Qual de nós não reconstruiu, na própria imaginação, a figura da madrasta má que, invejando a beleza de enteada, mostrou-se capaz de atitudes nada nobres para uma rainha.

Pois era com essa madrasta que nossos filhos, sobrinhos, pais e mesmo nossos avós, conviveram até a noite do dia 29 de março de 2008, quando Isabella, a menina branca como a neve, foi assassinada.

Depois do "caso Isabella", como ficou conhecido, a madrasta da Branca de Neve foi redimida de suas maldades e recobra urgentemente, em nossa fantasia, o posto do qual foi destronada, afinal suas perversidades tornaram-se "café pequeno" diante das atrocidades cometidas contra a pequena Isabella. Nosso imaginário se viu fragilizado demais tamanha overdose de crueldade real a que fomos expostos.

Deu saudade do caçador servil que fraquejou, na hora "h", dar cabo da jovem princesa, alertando-a a fugir em busca de um lugar seguro. Mais saudade ainda da maçã envenenada, que só de olhá-la nos fazia salivar. Sutilezas da perversão...

Isabella não experimentou um feitiço, passível de ser quebrado por um ato de amor, encarnado na estória infantil pelo beijo apaixonado do príncipe ou, quem dera, na vida real, pelo gesto amoroso do pai em socorrê-la. Não houve feitiço algum, mas uma espécie de mágica pelo avesso, impossível de ser desfeita: a morte.

Na estória, é a madrasta que, encurralada pelos anões, despenca no precipício após escorregar de uma montanha muito alta. É o ápice de nossa sede desesperada por justiça.

Por que a vida não imita a arte?

Isabella, sem chance de defesa, foi lançada num ato desumano, para não dizer inclassificável, do sexto andar de um edifício, ao que tudo indica pelas mãos do próprio pai - o espelho da madrasta?!

Naquela noite, os anões, em menor número e tão indefesos quanto, nada puderam fazer.

Enquanto seu corpo estendido na pequena área reservada ao jardim - seria sua floresta? - desfalecia, nascia em cada um de nós a perplexidade e o desejo íntimo e inútil de que esta, sim, não fosse uma estória real.
(VaneideDelmiro)




Queremos o seguinte no jornal
Quem mata menina se dá mal
Sendo gente bem ou marginal
Quem fere uma irmã tem seu final
(Mônica - Composição: Angela Rô Rô)

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Frutos da Insônia


Excesso de vigília, má higiene do sono, insônia ou, simplesmente, "eu não consigo dormir". As expressões são muitas e os efeitos dessa visita noturna tão inoportuna também: olheiras, irritação, indisposição no dia seguinte etc etc etc.

Mas não serei tão cruel com a insônia quanto ela tem sido comigo, porque foi numa dessas noites, em que as pálpebras se desconheciam mutuamente, que conheci, no Programa Altas Horas, o grupo paulista "O TEATRO MÁGICO". Foi paixão à primeira vista e olha que eu estava com os olhos bem abertos e os ouvidos atentos.

Então, nada mais justo que atribuir algum mérito a essa senhora insistentemnte insone. Às vezes, ela nos oferece bons frutos, reconheço um tanto mal humorada.




Sintaxe à Vontade

Sem horas e sem dores
Respeitável público pagão
a partir de sempre
toda cura pertence a nós
toda resposta e dúvida
todo sujeito é livre para conjugar o verbo que quiser
todo verbo é livre para ser direto e indireto
nenhum predicado será prejudicado
nem tampouco a vírgula, nem a crase nem a frase e ponto final!
afinal, a má gramática da vida nos põe entre pausas, entre vírgulas
e estar entre vírgulas pode ser aposto
e eu aposto o oposto que vou cativar a todos
sendo apenas um sujeito simples
um sujeito e sua oração
sua pressa e sua verdade,sua fé
que a regência da paz sirva a todos nós... cegos ou não
que enxerguemos o fato
de termos acessórios para nossa oração
separados ou adjuntos, nominais ou não
façamos parte do contexto da crônica
e de todas as capas de edição especial
sejamos também o anúncio da contra-capa
mas ser a capa e ser contra-capa
é a beleza da contradição
é negar a si mesmo
e negar a si mesmo
pode ser também encontrar-se com Deus
com o teu Deus
Sem horas e sem dores
Que nesse encontro que acontece agora
cada um possa se encontrar no outro
até porque...

tem horas que a gente se pergunta...
por que é que não se junta
tudo numa coisa só?

(O Teatro Mágico / Composição: Fernando Anitelli)