segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Balanço...

"Pensar em tudo que se passou,
Que se pôde sonhar e não realizou
A vida tentando escapar,
Mas não por agora

Ao mesmo tempo tanta coisa se amou,
Se refez, se perdeu, se conquistou,
(...)

E que me lembrasse a cada instante
Que valeu a pena cada lance,
E que valerá, tenha certeza, pra toda a vida"


(Vou te levar - Lobão / Bernardo Vilhena)



Os apelos de dezembro são muitos e irresistíveis. Como fugir deles? De algum modo, dia-após-dia, ficamos balançados com as investidas nada sutis dessa época do ano.

As tentações são muitas e perigosas. Algumas, inclusive, a longo prazo, trazendo a idéia de que agora, passadas todas as páginas do calendário, se pode, enfim, concretizar o que se pensou. Pacotes, embrulhos, fitas para todos os presentes, cartões para todas as dívidas, perdões para todas as mágoas e mal-entendidos.

Mas as tentações são também internas, afinal dezembro não é só luzes, cores, brilho. Há um convite implícito que todo dezembro insiste em nos remeter. Aceitá-lo pode significar, exatamente, o oposto da iluminação própria a essa época do ano.

Falo aqui do famoso “balanço” a que as pessoas se propõem em dezembro mais do que em qualquer outra época do ano. Nem mesmo em ocasiões como aniversário, o balanço chega a ser tão impositivo como é em dezembro, uma espécie de febre coletiva, idéia fixa, desejo de grávida que não se dá muita atenção, mas só se aquieta quando satisfeito.

Então é isso, eu tentei ignorá-lo, com medo do saldo obtido. Entretive-me em lojas (imagine o que é entrar numa loja nessa época do ano!), aprendi novas receitas, dormi até não poder, mas o balanço já vinha me cercando, me obrigando a pensar, a fazê-lo, a subir em sua gangorra de perdas e ganhos, altos e baixos. Agora entendo a dificuldade que tive com a faxina da casa que nessa época do ano, não à toa, as pessoas a fazem de maneira mais caprichada.

É como se a faxina fosse para a casa o que o “balanço” é para as pessoas: o momento de se retirar a poeira para que os objetos-sentimentos possam ser vistos-sentidos em suas reais dimensões, avaliar o que deve permanecer e o que deve ser jogado fora, reencontrar suas referências, sentir saudade pelo que se perdeu, mudar as coisas de lugar pra tentar dá mais funcionalidade a passagem na rotina da casa, da vida...

É óbvio que tive medo, tem um frio delineando até agora a minha espinha. Basta dizer que 2007 foi o ano em que “eu vi a cara da morte e ela estava viva”. Um acontecimento desse porte tem o poder de se sobrepor a qualquer outra coisa, boa ou má, porque é irreparável. Não há como ser desfeito. Isso é perturbador, o que talvez explique atitudes tão miseravelmente humanas, desprovidas de respeito e amor ao próximo, mesmo numa situação de dor extrema.

Como não encarar que 2007 deixa marcas e uma enorme ferida aberta supurando saudade, vazio, medo, ausência, solidão? Em 2008, a centelha de esperança nada mais é que o desejo ardente por cicatrizes.

domingo, 23 de dezembro de 2007

Ceia de Natal

SERÁ QUE VOU REZAR? (Rubem Alves - Folha de São Paulo, 27/11/2007)

"Será que vou rezar? É. Cada um celebra o que escolhe. Acho que farei uma sopa de fubá que tomarei com pimenta e torradas.

SOU UM ADMIRADOR de Gandhi. Cheguei mesmo a escrever um livro sobre ele. Estou planejando convocar os amigos para uma homenagem póstuma a esse grande líder pacifista e vegetariano. Pensei que uma boa maneira de homenageá-lo seria um evento numa churrascaria, todo mundo gosta de churrasco, um delicado rodízio com carnes variadas, picanhas, filés, costelas, cupins, fraldinhas, lingüiças, salsichas, paios, galetos e muito chope. O grande líder merece ser lembrado e festejado com muita comilança e barriga cheia!

Eu não fiquei doido. O que fiz foi usar de um artifício lógico chamado "reductio ad absurdum" que consiste no seguinte: para provar a verdade de uma proposição, eu mostro os absurdos que se seguiriam se o seu contrário, e não ela, fosse verdadeiro.

Eu demonstrei o absurdo de se celebrar um líder vegetariano de hábitos frugais com um churrasco.

Uma homenagem tem de estar em harmonia com a pessoa homenageada para torná-la presente entre aqueles que a celebram. Uma refeição, sim. Mas pouca comida. Comer pouco é uma forma de demonstrar nosso respeito pela natureza. Alface, cenoura, azeitonas, pães e água.

Escrevo com antecedência, hoje, 27 de novembro, um mês antes, para que vocês celebrem direito. A celebração há de trazer de novo à memória o evento celebrado. É uma cena: numa estrebaria uma criancinha acaba de nascer. Sua mãe a colocou numa manjedoura, cocho onde se põe comida para os animais. As vacas mastigam sem parar, ruminando. Ouve-se um galo que canta e os violinos dos grilos, música suave... No meio dos animais tudo é tranqüilo. Os campos estão cobertos de vaga-lumes que piscam chamados de amor. E no céu brilha uma estrela diferente. Que estará ela anunciando com suas cores? O nascimento de um Deus?

É. O nascimento de um Deus. Deus é uma criança. O nascimento do Deus criança só pode ser celebrado com coisas mansas. Mansas e pobres. Os pobres, no seu despojamento, devem poder celebrar. Não é preciso muito. Um poema que se lê. Alberto Caeiro escreveu um poema que faria José e Maria, os pais do menininho, rir de felicidade: "Num meio-dia de fim de primavera, tive um sonho como uma fotografia: "Vi Jesus Cristo descer a terra. Veio pela encosta do monte tornado outra vez menino. Tinha fugido do céu...'" Longo, merece ser lido inteiro, bem devagar...

Uma canção que se canta. Das antigas. Tem de ser das antigas. Para convocar a saudade. É a saudade que traz para dentro da sala a cena que aconteceu longe. Sem saudade o milagre não acontece.

Algo para se comer. O que é que José e Maria teriam comido naquela noite? Um pedaço de queijo, nozes, vinho, pão velho, uma caneca de leite tirado na hora. E deram graças a Deus. E é preciso que se fale em voz baixa. Para não acordar a criança. Naquela mesma noite, havia uma outra celebração no palácio de Herodes, o cruel. Ele tinha medo das crianças e mataria todas se assim o desejasse. A mesa do banquete estava posta: leitões assados, lingüiças, bolos e muito vinho... Os músicos tocavam, as dançarinas rodopiavam. Grande era a orgia.

É. Cada um celebra o que escolhe. Acho que vou fazer uma sopa de fubá que tomarei com pimenta e torradas. E lerei poemas e ouvirei música. E farei silêncio quando chegar a meia-noite e, quem sabe, rezarei?"

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Desde já... Feliz Natal!

Hoje, recebi um texto de uma querida amiga, desses que tocam a alma, leve e profundamente. Não é a primeira vez que me presenteia com textos de tamanha delicadeza. Da última vez, não cheguei a falar aqui, "As bençãos do meu avó" (Rachel Naomi Remen - Ed. Sextante - ESGOTADO!) deixou-me maravilhosamente muda. Um dia escreverei a respeito...
Desta vez, "Cartão de Natal" (Frei Betto) pousou em minhas mãos e, num piscar, em meu coração. Aí, já viu, foi inevitável não pousá-lo aqui também.

Lourdinha, OBRIGADA pela generosidade de partilhar e propagar a centelha do bom e do belo em minha vida.




Cartão de Natal (Frei Betto)


"Feliz Natal a quem não planta corvos nas janelas da alma, nem embebe o coração de cicuta e ousa sair pelas ruas a transpirar bom-humor.
Feliz Natal a quem cultiva ninhos de pássaros no beiral da utopia e coleciona no espírito as aquarelas do arco-íris. E a todos que trafegam pelas vias interiores e não temem as curvas abissais da oração.
Feliz Natal aos que reverenciam o silêncio como matéria-prima do amor e arrancam das cordas da dor melódicas esperanças. Também aos que se recostam em leitos de hortênsias e bordam, com os delicados fios dos sentimentos, alfombras de ternura.
Feliz Natal aos que trazem às costas aljavas repletas de relâmpagos, aspiram o perfume da rosa-dos-ventos e levam no peito a saudade do futuro. Também aos que semeiam indignações, mergulham todas as manhãs nas fontes da verdade e, no labirinto da vida, identificam a porta que os sentidos não vêem e a razão não alcança.
Feliz Natal a todos que dançam embalados pelos próprios sonhos e nunca dizem sim às artimanhas do desejo. Aos que ignoram o alfabeto da vingança e jamais pisam na armadilha do desamor, pois sabem que o ódio destrói primeiro a quem odeia.
Feliz Natal a quem acorda, todas as manhãs, a criança adormecida em si e, moleque, sai pelas esquinas quebrando convenções que só obrigam a quem carece de convicções. E aos artífices da alegria que, no calor da dúvida, dão linha à manivela da fé.
Feliz Natal a quem recolhe cacos de mágoas pelas ruas a fim de atirá-los no lixo do olvido e guardam recatados os seus olhos no recanto da sobriedade. A quem resguarda-se em câmaras secretas para reaprender a gostar de si e, diante do espelho, descobre-se belo na face do próximo.
Feliz Natal a todos que pulam corda com a linha do horizonte e riem à sobeja dos que apregoam o fim da história. E aos que suprimem a letra erre do verbo armar e se recusam a ser reféns do pessimismo.
Feliz Natal aos que fazem do estrume adubo de seu canteiro de lírios. Também aos poetas sem poemas, aos músicos sem melodias, aos pintores sem cores e aos escritores sem palavras. E a todos que jamais encontraram a pessoa a quem declarar todo o amor que os fecunda em gravidez inefável.
Feliz Natal aos ébrios de transcendência e aos filhos da misericórdia que dormem acobertados pela compaixão. E a todos que contemplam ociosos o entardecer, observando como o Menino entra na boca da noite montado em seu monociclo solar.
Feliz Natal a quem não se deixa seduzir pelo perfume das alturas e nem escala os picos em que os abutres chocam ovos. E a todos que destelham os tetos da ambição e edificam suas casas em torno da cozinha.
Feliz Natal a quem, no leito de núpcias, promove uma despudorada liturgia eucarística, transubstanciando o corpo em copo inundado do vinho embriagador da perda de si no outro. E a quem corrige o equívoco do poeta e sabe que o amor não é eterno enquanto dura, mas dura enquanto é terno.
Feliz Natal aos que repartem Deus em fatias de pão e convocam os famélicos à mesa feita com as tábuas da justiça e coberta com a toalha bordada de cumplicidades.
Feliz Natal aos que secam lágrimas no consolo da fé e plantam no chão da vida as sementes do porvir. E aos que criam hipocampos em aquários de mistério e conhecem a geometria da quadratura do círculo.
Feliz Natal a quem se embebeda de chocolate na esbórnia pascal da lucidez crítica e não receia pronunciar palavras onde a mentira costura bocas e enjaula consciências. E a todos que, com o rosto lavado das maquiagens de Narciso, dobram os joelhos à dignidade dos carvoeiros.
Feliz Natal a todos que sabem voar sem exibir as asas e abrem caminhos com os próprios passos, inebriados pelos ecos de profundas nostalgias. E aos que decifram enigmas sem revelar inconfidências e, nus, abraçam epifanias sob cachoeiras de magnólias.
Feliz Natal aos que saboreiam alvíssaras nos bosques onde vicejam anjos barrocos e nadam suas gorduras deixando os cabelos brancos flutuarem sobre a saciedade de anos bem vividos. E a todos que dão ouvidos à sinfonia cósmica e, nos salões da Via Láctea, bailam com os astros ao ritmo de siderais incertezas.
Feliz Natal também aos infelizes, aos tíbios e aos pusilânimes, aos que deixam a vida escorrer pelo ralo da mesquinhez e, no calor de seus apegos, vêem seus dias evaporar como o orvalho aquecido pelo alvorecer do verão. Queira Deus que renasçam com o Menino que se aconchega em corações desenhados na forma de presépios."


Simplesmente, maravilhoso!


"Feliz Natal aos que fazem do estrume adubo de seu canteiro de lírios. Também aos poetas sem poemas, aos músicos sem melodias, aos pintores sem cores e aos escritores sem palavras. E a todos que jamais encontraram a pessoa a quem declarar todo o amor que os fecunda em gravidez inefável."

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

De todo quilate


"palavras me aguardam o tempo exato / pra falar / coisas minhas / talvez você nem queira ouvir" (Pra rua me levar - Ana Carolina / Totonho Villeroy)




Quem me conhece um pouco mais de perto sabe que considero a palavra de todo quilate. Mais, nenhum outro elemento diz tanto de quem sou e do que sinto. Pois a palavra sou eu própria: escrita e impressa.

De algum modo eu sempre soube disso, digo desde que descobri a palavra como canal, o ato de escrever como libertador.

Outro dia, isso veio numa clareza pungente quando ouvi a leitura de alguns textos por mim escritos, lidos por outra pessoa. A ausência de pontuação, o ritmo acelerado da leitura como se quisesse findá-la rapidamente (e por um fim a mim????) soaram como um esvaziamento de quem sou. Na rapidez com a qual fui lida, o sentido se perdeu. Pois não se tratava de me tragar por ardente desejo, antes de livrar-se e negar ali a existência de algo minimamente interessante.

Lembrei de imediato de alguns anos atrás quando me submeti a uma prova de habilidade datilográfica, onde o texto era, sob certo aspecto, secundário. Importava, antes de tudo, que as palavras fossem datilografadas correta e velozmente.

Fui ferida de mortal desprezo. Depois disso, penso mesmo que deveriam constar nos manuais de etiqueta, boas maneiras de se ler um texto. Porque por mais que a gente queira, possa e deva dele se apropriar, é preciso antes aproximar-se com certa gentileza na alma, com respeito diante do que foi escrito, independente se dotado de algum atributo literário ou simplesmente confessional.

Obviamente, todos nós temos nossas preferências e rejeições textuais (e pessoais). Apenas penso que antes de abrir as nossas gavetas e decidir sobre o que vai ou não ocupá-las, é preciso um certo despojamento das impressões primeiras. Pois um texto, em geral, se permite, sim, a releitura, mas as pessoas, bem, as pessoas às vezes não.



Observação: acréscimo (20/12/2007, madrugada)

Iniciei a postagem do dia 22/12 com um fragmento da composição "Pra rua me levar" (A. Carolina / T. Villeroy). Ouvindo "Muito romântico" (Caetano Veloso) hoje, fui me dando conta do quanto parte da letra, de algum modo ou de todos eles, também se relaciona com o que postei. Por isso o acréscimo.


"Não tenho nada com isso nem vem falar / Eu não consigo entender sua lógica / Minha palavra cantada pode espantar / E a seus ouvidos parecer exótica / Mas acontece que eu não posso me deixar / Levar por um papo que já não deu / Acho que nada restou pra guardar / Do muito ou pouco que houve entre você e eu / Nenhuma força virá me fazer calar / Faço no tempo soar minha sílaba / Canto somente o que pede pra se cantar / Sou o que soa eu não douro a pílula" (Muito romântico - Caetano Veloso)

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

(Vinicius de Moraes)

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Meu Deus, me dê a coragem

"Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços meu pecado de pensar." (Clarice Lispector)


Amém!

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Se a brancura da folha fosse vela


Bebo o breu,
provoco o verso
e em cada palavra que tro-pe-ço
é um pouco de mim que
c
a
i

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Estações


Para Padrinho (in memorian)


Na primavera brotaram
Flores mortas num caixão
Germinaram como nunca
O silêncio, a solidão...

O verão, todo faceiro
Quis apagar medonha estação
"É bem tarde!", retruquei
No calor da emoção.

O outono veio lento
Se esparramando no chão
Brincaram suas folhas ao vento
Mas faltou a direção.

Por fim e amofinado
O inverno apenas chorou
E com suas lágrimas frias
Agasalhou-se com a dor.

(VaneideDelmiro)

sábado, 8 de dezembro de 2007

ESSE TAL ENCANTAMENTO

Há sentimentos e atitudes tão clichês que se chega mesmo a duvidar de si próprio quando não se atende a um “certo” formato de pensar, sentir ou expressar-se. Acredito que essa seja uma das razões que me tem feito silenciar.

Após a morte de padrinho – nunca antes eu experimentara a morte física de alguém tão importante –, digo nas semanas que se seguiram (e até agora) foi um não saber o que sentir e, ao mesmo tempo, um querer sentir.

Primeiro foi o luto burocrático das decisões. Depois a descoberta aterradora das máscaras e a raiva contida ante tamanha constatação. Na seqüência foram a busca incessante por explicações, a tentativa de fortalecimento espiritual pelejando contra minha fé duvidosa e um ressignificar do que seria, a partir de então, seguir adiante: viver?!

Nesse trajeto – longo, sinuoso, lento – saudade, tristeza, dor, inconformismo, arrependimento, vazio etc etc etc compuseram também a paisagem. Chorei menos do que esperava, desesperei menos do que supunha e andei me cobrando caro por isso, talvez por conta dos tais clichês.

É que a lágrima é para o olho assim como a palavra é para a boca: expressão. E só aos poucos, muito a vagar, passei a aceitar o que já sabia, que as expressões clichês não são as únicas verdadeiras. Aliás, nem sempre o são. Esse congelamento de onde vos falo não é vazio de sentido, mas pleno dele.

Padrinho permanece numa presença inquestionável. As lembranças dele são as melhores. Na maioria das vezes eu sinto paz quando penso nele e, de algum modo, muito íntimo, eu sei e sinto que estamos em comunhão, o que me faz pensar que sua proteção permanece como antes, apesar de todas as minhas incertezas e medos.

Agora lembrando Guimarães Rosa – “as pessoas não morrem, ficam encantadas” – fico me perguntando se não estive até agora, com este texto, tentando dizer desse tal encantamento.


"Depois de te perder, te encontro com certeza
Talvez no tempo da delicadeza
Onde não diremos nada, nada aconteceu
Apenas seguirei como encantado ao lado teu"

(Todo Sentimento - Chico Buarque / Cristovão Bastos)