terça-feira, 31 de julho de 2007

FELICITAÇÕES...

Querido Blog,

Amanhã você completará um mês de aniversário. É uma data importante, afinal marca o seu nascimento. E nascimento significa irromper... Eu sei que foi um parto um pouco difícil e que os cuidados com você talvez deixem a desejar. Espero que compreenda a inexperiência de mãe que, por vezes, subjuga o próprio amor. Gostaria de te presentear com um belo poema ou texto, mas ficarei apenas na intenção. Não é bom escolher o presente com a alma assim, tão inquieta, longe de si. Peço-te desculpas, também, se hoje não receberes nenhuma visita. Aliás tenho me perguntado se a solidão é um gene e se você o herdou. Mas é bom que desde logo aprendas a viver sozinho, pode ser muito útil nos dias atuais.
Bem, desejo-te vida longa e muitas palavras que vêm, vão, voam e pousam. Penso que não seria contraditório te desejar, ainda, alguma boa companhia.

SOBRE O TÍITULO DO BLOG...

A minha idéia inicial era que a primeira postagem deste Blog tratasse do título escolhido: Asa da Palavra. Não seria exatamente uma justificativa, mas uma explicitação das razões pelas quais fiz esta escolha em detrimento de outras que, por vezes, ainda penso serem mais adequadas. Mas devo confessar o meu carinho pela expressão "asa da palavra", retirada de uma composição de Caetano Veloso e Milton Nascimento (A Terceira Margem do Rio), inspirados no conto, de mesmo nome, de Guimarães Rosa. Falaria também dos inspiradores poemas de Manoel de Barros e toda a idéia de liberdade e libertação que a palavra me traz e dá sem que eu possa apontar nenhum outro equivalente. No entanto, todas essas seriam, por assim dizer, razões à priori. Mas hoje, ao descobrir um belo poema de Cecília Meireles, fiquei certa que se o tivesse conhecido antes, seguramente o apontaria como uma das razões para o título Asa da Palavra. É um daqueles poemas que te deixam com uma vontade danada de tê-lo escrito. Vou pousá-lo aqui no blog para que outros também o apreciem.



VÔO

Alheias e nossas as palavras voam.
Bando de borboletas multicores, as palavras voam
Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas,
as palavras voam.
Viam as palavras como águias imensas.
Como escuros morcegos como negros abutres, as palavras voam.
Oh! alto e baixo em círculos e retas acima de nós, em redor de nós as palavras voam.

E às vezes pousam.

(Cecília Meireles)

quinta-feira, 26 de julho de 2007

ESTRANHA MÁQUINA DE ENTORTAR HOMENS

Fragmento de TERRA DOS HOMENS (Antonie de Saint-Exupéry)

"Uma criança chupava o seio de sua mãe que de tão cansada parecia dormir. A vida transmitia-se assim no absurdo e na desordem daquela viagem. Olhei o pai. Um crânio pesado e nu como uma pedra. Um corpo dobrado no desconforto do sono, preso nas suas vestimentas de trabalho, um rosto escavado com buracos de sombra e saliências de ossos. Aquele homem parecia um monte de barro. Era como um desses embrulhos sem forma que se deixam ficar à noite nos buracos das feiras. E eu pensei: o problema não reside nessa miséria, nem nessa sujeira, nem nessa fealdade. Mas esse homem e essa mulher sem dúvida se conheceram um dia, e o homem sorriu para a mulher; levou-lhe, sem dúvida, algumas flores depois do trabalho.
Tímido e sem jeito, ele temia ser desprezado. Mas a mulher, por fagueirice natural, a mulher, certa de sua graça, talvez se divertisse em inquietá-lo. E ela, que hoje é apenas uma máquina de cavar ou de martelar, sentia assim no coração uma deliciosa angústia. O mistério está nisso: eles se terem tornado esses montes de barro. Por que terrível molde terão passado, por que estranha máquina de entortar homens? Um animal ao envelhecer conserva a sua graça. Porque essa bela argila humana se estraga assim?"



É um livro e tanto!

domingo, 22 de julho de 2007

FRASEADOR...

Manoel de Barros foi uma deliciosa descoberta que veio através da indicação de uma artista plástica, Maria do Bessa (hoje Maria dos Mares), com quem tive a grata experiência de trabalhar em oficinas de artes, num ambulatório de saúde mental, há quase uma década. O fascínio e a admiração pelo trabalho de Maria, sobretudo com o "barro", se estendeu também ao poeta tecendo o delírio do verbo. Dos textos e poemas lidos desde então, um me toca particularmente, pela beleza e sensibilidade. Melhor apresentar...


"HOJE EU COMPLETEI OITENTA E CINCO ANOS. O POETA NASCEU DE TREZE. NAQUELA OCASIÃO ESCREVI UMA CARTA AOS MEUS PAIS, QUE MORAVAM NA FAZENDA, CONTANDO QUE EU JÁ DECIDIRA O QUE QUERIA SER NO MEU FUTURO. QUE EU NÃO QUERIA SER DOUTOR. NEM DOUTOR DE CURAR NEM DOUTOR DE FAZER CASA NEM DOUTOR DE MEDIR TERRAS. QUE EU QUERIA SER FRASEADOR. MEU PAI FICOU MEIO VAGO DEPOIS DE LER A CARTA. MINHA MÃE INCLINOU A CABEÇA. EU QUERIA SER FRASEADOR E NÃO DOUTOR. ENTÃO, O MEU IRMÃO MAIS VELHO PERGUNTOU: MAS ESSE TAL DE FRASEADOR BOTA MANTIMENTO EM CASA? EU NÃO QUERIA SER DOUTOR, EU SÓ QUERIA SER FRASEADOR. MEU IRMÃO INSISTIU: MAS SE FRASEADOR NÃO BOTA MANTIMENTO EM CASA, NÓS TEMPO QUE BOTAR UMA ENXADA NA MÃO DESSE MENINO PRA ELE DEIXAR DE VARIAR. A MÃE BAIXOU A CABEÇA UM POUCO MAIS. O PAI CONTINUOU MEIO VAGO. MAS NÃO BOTOU ENXADA".
(Manoel de Barros - Memórias Inventadas - Infância)




As letras maiúsculas são pra reafirmar o quanto gosto do texto.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

O TEMPO DE AGORA...

Nem sempre podemos habitar a casa na qual nos sentimos realmente acolhidos. Por vezes, temos de protelar o vôo desejado. Esse é o tempo de agora: de renunciar a asa da palavra.


"O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais alegre ainda no meio da tristeza! Só assim de repente na horinha em que se quer, de propósito - por coragem. Será? Era o que eu às vezes achava. Ao clarear do dia"
João Guimarães Rosa (Grande Sertão: veredas)

segunda-feira, 9 de julho de 2007

REMOTO CONTROLE....

Passados alguns dias em silêncio, estou de volta. Não, não estava com a asa quebrada, apenas precisei voar por outras paisagens: mais técnicas, menos poéticas.
E pra registrar meu retorno, resolvi postar um texto que não é exatamente uma reflexão, nem propriamente um desabafo. O fato é que a idéia ressurgia cada vez que me deparava com uma cena de novela, global ou não. Então decidi desativar o controle remoto e acionar a escrita.



REMOTO CONTROLE (VaneideDelmiroNeves)

Modificam-se os nomes, com eles as personagens; o cenário; os horários; os modos de dizer e de vestir, mas a trama ainda é a mesma. E seduz tanto quanto no início, ou talvez mais, pois os recursos, estes, sim, são outros e inauguram novas feições para as mesmas caras.

Não quero ser injusta porque tanta mesmice sedutora tem lá a sua função, nem que seja – o que não é pouco, reconheço – a de satisfazer nossas necessidades e desejos inconfessos; transformar em realidade o que, em nós, não passa de ilusão; canalizar fantasias, exterminar fantasmas; projetar a maldade que não ousamos admitir e pulsar forte.

Mas também fere. Fere não ser a mulher cortejada pelo homem maduro, elegante, gentil, rico e, como se não bastasse, disposto a mover céus e terras para provar que o amor vale a pena. Fere não ser aquela outra, executiva bem sucedida, exalando poder e sedução por todos os poros. Ou, mesmo, a adolescente que acaba de descobrir o peito arfante em paixão, de quebra por um amor proibido (assim dá mais audiência) e que encontrará, ao longo dos capítulos, incontáveis obstáculos para viver o seu afeto, sendo, ao final (desculpem tanta previsibilidade, a culpa não é minha!), recompensada com um beijo ardente, daqueles de tirar as crianças da sala, te fazer subir pelas paredes ou suspirar por uma antiga lembrança.

Fere não ser o vilão, porque apesar do mau caratismo, seu vigor e determinação são, no mínimo, invejáveis. Fere não encarnar o bom moço, sempre disposto a ajudar; àquele que leva a máxima ao máximo: “se alguém te bater numa face, oferece também a outra”. Fere não ser a vítima – coitada! – , com um rol de injustiças “justificando” o que não deu certo: sua vida de desencontros e atrapalhos.

Fere, simplesmente. Fere não me enquadrar e, ainda assim, ver tantas facetas de mim espalhadas em quem não sou. Por isso recorro à escrita, para não torná-la também remota.


JPA, 08/JUL/2007

quinta-feira, 5 de julho de 2007

A NOITE TAMBÉM...

TUA MANHÃ SE CURVA (Iacyr Anderson Freitas)


Chegará a hora,
sob o mesmo assombro.

Tudo por fazer, a casa em desordem.
Nenhum dever cumprido.

O mesmo vazio bate à porta.
Não tens palavra. De novo
essa ausência de linguagem
que distende o mundo.

Tesouro algum foi buscado?
No horizonte houve um rumo? Uma medida?

A tudo respondes com rancor.
No mais íntimo de teu corpo
algo se move.

O tempo não traz resposta. A madureza
punge os ossos: tua manhã se curva.

Por fim, o asco. Preso à mão
quando a mão se escreve.

Aprende-se a conviver com ele
sem temor. O que era incômodo
faz-se vício.

Mas o mergulho é curto:
a dor te chama pelos cabelos.
Vens à tona.

De novo
o olhar irrefletido, de bicho,
sem notícia do tempo submerso.

De novo
a imperiosa vontade de viver,

que não deixa de ser, no fundo,
uma forma menor
de esquecimento.




Eu sempre me impressionou com o fato de um texto, cuja autoria não é própria, ser capaz de dizer tanto e tão bem sobre o que se está vivendo ou sentindo num dado momento. É uma espécie de eco que vem em resposta a uma voz muda, trazendo consolo a quem experimenta uma terrível solidão: sem par, indo a parte alguma.

terça-feira, 3 de julho de 2007

O ESPÍRITO DO DIA...

Prosa Patética (Viviane Mosé)

Nunca fui de ter inveja, mas de uns tempos pra cá tenho tido.
As mãos dadas dos amantes tem me tirado o sono.
Ontem, desejei com toda força ser a moça do supermercado.
Aquela que fala do namorado com tanta ternura.
Mesmo das brigas ando tendo inveja.
Meu vizinho gritando com a mulher, na casa cheia de crianças,
sempre querendo, querendo.
Me disseram que solidão é sina e é pra sempre.
Confesso que gosto do espaço que é ser sozinho.
Essa extensão, largura, páramo, planura, planície, região.
No entanto, a soma das horas acorda sempre a lembrança
do hálito quente do outro. A voz, o viço.
Hoje andei como louca, quis gritar com a solidão,
expulsar de mim essa Nossa senhora ciumenta.
Madona sedenta de versos. Mas tive medo.
Medo de que ao sair levasse a imensidão onde me deito.
Ausência de espelhos que dissolve a falta, a fraqueza, a preguiça.
E me faz vento, pedra, desembocadura, abotoadura e silêncio.
Tive medo de perder o estado de verso e vácuo,
onde tudo é grave e único. E me mantive quieta e muda.
E mais do que nunca tive inveja.
Invejei quem tem vida reta, quem não é poeta
nem pensa essas coisas. Quem simplesmente ama e é amado.
E lê jornal domingo. Come pudim de leite e doce de abóbora.
A mulher que engravida porque gosta de criança.
Pra mim tudo encerra a gravidade prolixa das palavras: madrugada, mãe, ônibus, olhos, desabrocham em camadas de sentido,
e ressoam como gongos ou sinos de igreja em meus ouvidos.
Escorro entre palavras, como quem navega um barco sem remo.
Um fluxo de líquidos. Um côncavo silêncio.
Clarice diz, que sua função é cuidar do mundo.
E eu, que não sou Clarice nem nada, fui mal forjada,
não tenho bons modos nem berço.
Que escrevo num tempo onde tudo já foi falado, cantado, escrito.
O que o silêncio pode me dizer que já não tenha sido dito?
Eu, cuja única função é lavar palavra suja,
nesse fim de século sem certeza?
Eu quero que a solidão me esqueça.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Perdoando Deus (Clarice Lispector)

"Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente."

domingo, 1 de julho de 2007

PALAVRA CALA?

Melhor nem falar...
A Palavra

Já não quero dicionários
consultados em vão.
Quero só a palavra
que nunca estará neles
nem se pode inventar.

Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol do que o sol,
dentro da qual vivêssemos
todos em comunhão,
mudos,
saboreando-a.
(Carlos Drummond de Andrade)



De Gramática e de Linguagem

Eu sonho com um poema
Cujas palavras sumarentas escorram
Como a polpa de um fruto maduro em tua boca,
Um poema que te mate de amor
Antes mesmo que tu saibas o misterioso sentido:
Basta provares o seu gosto...
(Mário Quintana)

CADA PALAVRA....

"Palavras me aguardam o tempo exato pra falar
São coisas minhas
Talvez você nem queira ouvir..."

(Ana Carolina / Totonho Villeroy)



"Só uma palavra me devora
Aquela que meu coração não diz..."

(Suley Costa / Abel Silva)



"Se disparada pelo amor
Palavra-bala
Na boca do ditador
Toda palavra cala

Ô, mama
Cala palavra
Ô, mama, ô, mama
Mama palavra

Quando não se quer ouvir
Palavra-mala
Quando não se faz sentir
Pobre palavra rala
Ô, mama
Rala palavra
Ô, mama, ô, mama
Mama palavra

Em volta da mesa do bar
Palavra-porre
Se o tédio me assaltar
Palavra me socorre
Ô, mama
Cada palavra
Ô, mama, ô, mama
Mama palavra

Se gritar pega ladrão
Palavra corre
Quando não se tem tesão
Toda palavra morre
Ô, mama
Morre a palavra
Ô, mama, ô, mama
Mama palavra

Mãe de todos nós
Dos sem mãe
Dos sem voz

Na fala do policial
Palavra-malha
No distrito federal
Toda palavra encalha
Toda palavra encalha

Aquela que não funcionar
Palavra-falha
Aquela que não se juntar
Vira palavra-tralha
Tralha

Quando tudo fala igual
Palavra-palha
Pra tudo que é marginal
Palavra que batalha
Palavra que batalha

Aquela que não funcionar
Palavra-falha
Aquela que não se juntar
Vira palavra-tralha
Tralha"

(Mama Palavra - João Bosco / Francisco Bosco)




Se o que nos consome fosse apenas fome
Cantaria o pão
Como o que sugere a fome
Para quem come
Como o que sugere a fala
Para quem cala
Como que sugere a tinta
Para quem pinta
Como que sugere a cama
Para quem ama
Palavra quando acesa
Não queima em vão
Deixa uma beleza posta em seu carvão
E se não lhe atinge como uma espada
Peço não me condene oh minha amada
Pois as palavras foram pra ti amada
Pra ti amada
Oh! pra ti amada

(Palavra Acesa / José Chagas e Fernando Filizola)


PALAVRA VOA?

Como pensar o contrário? Palavra voa, some, renasce, mortifica, aprisiona, liberta, emudece, se recusa, se oferece... A palavra é quase humana, corrijo, a palavra é humana.